Em um clique

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina com Guto Leite – 2º semestre 2014

Há algum tempo decidi basear minhas conclusões apenas em fatos racionais, mensuráveis e deduzidos da realidade. Não faz sentido em um mundo tecnológico, rápido e competitivo deixarmos nos levar por sentimentalismo, lembranças ou engodos emocionais.

De início encontrei alguma dificuldade. Não permitir que a emoção obscurecesse a razão exigiu muito autocontrole e determinação. Mas evoluí. E foi exatamente ao constatar dados inegáveis da evolução, da espécie, não da minha, que percebi que tinha avançado.

Acompanhem meu raciocínio de base lógico-dedutiva a partir da observação do ambiente físico. Visualizem a sala de seus avós naquela imensa casa de sua infância, a seguir pensem na sala de seus pais, comparem as duas com a sua própria casa. Invariavelmente, as dimensões são muito menores. Ainda pensando nesses espaços, o que aumentou ali? Mantenham os olhos fechados e viajem nas recordações dos ambientes, sem sentimentalismos, mantenham um foco objetivo. Viram o que aumentou? A tela da TV! Não enxergamos mais em 14 polegadas. Fomos perdendo a acuidade visual. Enxergamos menos. Mas não é só isto! Diminuímos também nossa capacidade de ouvir. Agora precisamos de um sistema de som amplificado para ouvir a TV sem sermos atrapalhados pelas vozes das crianças, latidos ou miados de animais, barulhos de vida do lado de fora, ou de dentro.

Primeira dedução sobre a nossa evolução: estamos nos tornando cegos e surdos.

Mas prossigamos, pois, uma simples sala fala muito daquilo que estamos nos tornando.

Ampliamos consideravelmente nossa capacidade de aprender idiomas. Toda a aparelhagem traz nomes e indicações facilmente entendidas e seguidas por nós. Temos fullscream, rew, subtitle, foward, stop, rec, pause (talvez não conte por similaridade com o nosso idioma, mas whatever).

Segunda dedução: aprendemos e usamos adequadamente palavras estrangeiras com mais facilidade, embora mim continue conjugando verbos. Puro devaneio. No método científico não posso misturar alhos com bugalhos. Ou seja, se estou falando sobre o aprendizado de palavras estrangeiras, não posso considerar eventuais falhas no aprendizado do nosso idioma. Não pertencem ao mesmo grupo. E no dia-a-dia todo mundo entende para mim comer, ninguém morrerá de fome falando assim. Mas se não souber o que é on, pode perder a grande oportunidade da vida.
Chegamos à terceira dedução: estamos perdendo nossa capacidade de deambulação, enquanto, de forma inversamente proporcional, estamos adquirindo uma destreza manual em nossa motricidade fina nunca vista. Junto com isto, alteramos nosso senso estético. Percebem? Todas aquelas palavras estrangeiras estão contidas em um pequeno device que tem o poder de imprimir o ritmo de nossas escolhas, evitando que façamos percursos desnecessários, embora curtos. No entanto, sem a habilidade manual correspondente, corremos o risco de não conseguir atender aos nossos desejos. Ampliamos, também, nossa capacidade de reconhecer a diferença entre os semelhantes, do contrário perderíamos um tempo enorme tentando identificar a que aparelho cada um pertence. Junto com a quantidade veio a modificação no nosso senso estético; caixinhas de madeira colorida, panôs de patchwork, bauzinhos de madrepérola contam com local privilegiado junto a objetos de decoração que ganhamos de amigos ou herdamos daqueles que habitavam as casas de nossa infância.

A derradeira dedução: junto com os pequenos devices passamos a controlar o tempo: pausamos o que estamos vendo para acessar os emails, responder os whatsapp, jogar no ipad, share ou like no facebook, e, ainda, para ir até o quarto de nossos filhos para mandá-los sair da frente do computador ou do vídeo game. Depois, podemos retornar àquele filme emocionante, ou àquele concerto fantástico, ou quem sabe zapear para ver se não estamos perdendo nada melhor. Nada nos escapa.

Resumindo: estamos cegos, surdos, parcialmente ignorantes, seletivos, preguiçosos, individualistas, autocentrados, solitários, insatisfeitos, controladores e facilmente seduzidos por aquilo que no fundo não nos faz nenhuma falta.



 

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