De braços abertos

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina com João Gilberto Noll – agosto 2014

As fotos espalhadas agridem a ordem do lugar. Ali tudo costuma ser perfeito. As almofadas, cuidadosamente afofadas, ocupam de forma ordenada o grande sofá que tem a sua frente uma estante, estilo vitrine, recheada de bibelôs de cristal milimetricamente organizados. A sala abre-se para uma ampla sacada decorada com móveis de ratan.

A sacada é seu refúgio. Dela avista a amplidão da cidade, abre-se para o violeta do pôr-do-sol e contempla as estrelas que se exibem ao anoitecer.

Mas hoje, nem ali encontra sossego.

Perdeu o controle de sua vida. Tudo vinha conforme o planejado. Bom emprego, salário mais do que digno, contas em dia, família com saúde e amigos em profusão.

Aos trinta e quatro anos, Ruy pensava viver em paz. Até mesmo o divórcio havia sido limpo e civilizado. Marina se queixava que faltava paixão, fogo, intensidade na relação deles. Ele pensava estar em um casamento perfeito, sem grandes dramas ou sobressaltos. Ela queria mais. Ele não sabia dar. Divorciaram-se.

Nas fotos espalhadas encontra o olhar do pai, sempre tão severo. Da mãe não vê os olhos, sempre baixos. Ele nunca está ao lado do pai. Ali estão seus irmãos mais velhos, com a mesma pose e o mesmo rigor que ele nunca conseguiu imitar. Sua moldura sempre foi a barra da saia da mãe. No canto da mesa, a foto de sua última viagem de negócios. Reconhece no olhar que paira sobre ele a intensidade que sua ex-mulher tanto exigia. Percebe em si mesmo o descontrole da paixão.

O telefone toca. Não atende, mas escuta o recado que está sendo deixado na gravação: Ruy, é o Paulo. Atende. Sei que estás aí. Para de fugir. Precisamos conversar. Estou indo para tua casa, nem que eu tenha que fazer plantão na rua, só vou embora depois de falar contigo.

Ruy abre a sacada. O céu esconde as estrelas e derrama lágrimas suaves. Como último recurso para se libertar, salta de braços abertos.


 

voltar para página do autor