Céu de esperança

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina com o Fischer - 2014

Meu amor por ela sempre enfrentou resistências. A família pelotense, embora acolhedora, sentia-se traída pelo nosso envolvimento.

Nem sei precisar o que fez com que eu me apaixonasse tanto por ela. Meu olhar encontrou suas curvas, recantos e refúgios, que, calmamente, passei a explorar. À medida que avançava, fui me entregando, também.

Vivemos momentos mágicos, descobrimos novas maneiras de nos relacionarmos e nem mais lembrava do período em que não pertenci a ela.

Foi assim por muito tempo. A mudança, a princípio serena, parecia fazer parte do meu amadurecimento e do crescimento dela.

Mas nossas alegrias residem nos detalhes e foi aí que nos perdemos. O cotidiano passou a ser ameaçador. Não há mais tranqüilidade, nem relaxamento. Nossos momentos são tensos, agressivos e, muitas vezes, violentos. Corro riscos que jamais pensei que ela me traria. Perdi a serenidade. Meus olhos não pairam mais sobre seus contornos, pois se esforçam para antecipar o perigo.

Não é seu calor sufocante, alternado pelo frio congelante que me afastam; a eles consigo me adaptar e prosseguir. Não é a falta de respeito ou educação que me fazem desistir; eles podem ser aprendidos. Mas a violência me destrói.

Estou de mal com Porto Alegre. E com isto brigo com meu passado. Renego a cidade que escolhi para me tornar quem sou.

Percorrer suas ruas com medo não é digno de nossa relação. Viver como se fosse um alvo não é mais possível. Não é mais ela que me mantém aqui. Permaneço para tentar proteger aqueles que amo, mesmo sabendo que esta é uma batalha para a qual não tenho armas.

Aos poucos, Porto Alegre foi se tornando triste, suja, feia e maltratada. Ela não merece este descaso, nem nossa indiferença a ele. Talvez acossados pelo temor, trancamo-nos em nossas casas e a deixamos abandonada, suscetível aos inescrupulosos.

Mas de um jeito meigo, ela chama nossa atenção. Colore-se de uma luz violeta e inunda nossas vidas com uma beleza estonteante. Neste momento, nossos olhos vão além do buraco, da sujeira, da esquina ameaçadora para contemplar um céu que só ela sabe ostentar ao entardecer. E acreditamos, por um instante, que ainda vale a pena viver aqui.

 

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