Viagem sem fim

Filipe Smidt Nunes

O menino vai até a proa do navio e olha para baixo. A água bate no casco, formando ondas que se multiplicam na imensidão do oceano. O vento gelado lhe beija a face e desarruma seus cabelos. Com os olhos fechados, dá um leve sorriso.

Dias atrás, hesitava em embarcar no navio. A promessa de vida nova não passava disso: uma promessa. Pelo menos seu avô, já experiente nessas viagens, concordou em acompanhá-lo. O vovô lhe mostra todos os detalhes da embarcação, cada entalhe na madeira, o mastro, as longas velas brancas. Apresenta o comandante, que todos chamam apenas pelo título de capitão, e os marinheiros.

Tem aprendido bastante. Já sabe diferenciar o astrolábio da balhestilha e, por vezes, como uma brincadeira, dá uma espiada no anemômetro, para saber se o vento lhes é favorável. De todos os instrumentos náuticos, o binóculo é o seu favorito.

Vive correndo pelo convés, criando sinais de piratas e alertando que estariam a bombordo ou estibordo. Até que um ponto surge no horizonte. Passado uns minutos, percebe se tratar de um barco grande, com as velas negras. Puxando a camisa do seu avô, já atento ao seu lado, o pequeno marujo aponta para a direção em que a nau do barco desconhecido se avizinha. Amedrontado, olha para os lados, vendo a tripulação que, ao avistar a ameaça, se prepara para o iminente ataque. Alheio à confusão que se instala no navio, o avô passa as mãos por cima dos ombros do menino.

— Deu por hoje. Já tá na hora de dormir.

— Não! Agora que tá ficando emocionante.

— Amanhã continuamos. Boa noite, meu neto.

— Boa noite, vovô.

Após fechar o livro, o avô cobre o corpo da criança com uma manta, sorri, lhe beija a testa e apaga a luz do quarto, deixando a porta entreaberta e a lâmpada do corredor acesa.

* Conto publicado no livro "Histórias não contadas nos almoços de domingo".

 

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