Texto e ilustração – a complementariedade

Jacira Fagundes

A literatura infantil tem origem na tradição oral. Ganhou concretude na forma de texto ao vir impressa em livros dedicados à infância. A ilustração surgiu incorporada ao texto, inicialmente com o objetivo de estabelecer uma relação de subordinação à história narrada. Apresentava-se restrita àquilo que constava na narrativa. Todo o valor da história estava no texto e as ilustrações eram óbvias e dependentes muito mais da história, do que do olhar.

As interpretações mudaram com o tempo. Nos dias atuais, o livro infantil conta histórias cada vez mais baseadas na informação pictórica. É um trabalho conjunto a partir de duas interpretações das mesmas cenas ou mesmos fatos – uma pelo narrar do escritor e outra pelo olhar do ilustrador. Ambos, escritor e ilustrador, são os autores do livro infantil. O primeiro, pelo texto escrito. O segundo, pela imagem criada segundo seu olhar. A relação que se estabelece é de coerência com o texto literário. Não existe, portanto, convergência ou equivalência absoluta, em razão das diferenças entre as linguagens verbal e visual.

A principal função da ilustração é compor, junto com o texto, uma construção narrativa verbal e visual ao mesmo tempo. A ilustração pertence às artes do espaço e o texto pertence às artes do tempo. Tempo e espaço andam juntos na história narrada. No contexto narrativo, a intenção é estabelecer um sistema de interação e comprometimentos recíprocos entre o ler e o ver.

Um cuidado é importante. Não se trata de adorno ou ornamento, de uma imagem bonita inserida nas páginas do livro infantil. Tal imagem só passa a ser ilustração quando o objetivo é coincidir com o conteúdo do texto. Na maioria das vezes, a ilustração amplia, adiciona informações ou até mesmo cria no leitor novas possibilidades de leitura do texto verbal. Mas é preciso reconhecer que ela não tem função isolada, está ali somente em relação ao texto. Refere ao texto verbal e solidifica as informações que a narrativa deixou subentendidas ou não revelou.

Os livros para os pequenos costumam trazer muitas ilustrações e pouco texto, o que oferece maior interesse para o professor na leitura ou na contação da história. Para as crianças maiores, com domínio da leitura, o interesse, tanto do aluno como do professor, passa a se centralizar no texto, colocando a imagem que o acompanha numa posição decorativa e com menor peso.

Mas cabe igualmente à escola, a aprendizagem do olhar. Junto à qualidade do texto literário, a qualidade estética é importante. A palavra escrita está para a compreensão e o uso do imaginário. No entanto a força narrativa do conteúdo linguístico pode também apoiar-se na imagem pois que esta oferece linguagem que vem dialogar com a palavra. O bom texto e a ilustração de qualidade fazem o livro como um todo – ambos convergindo para uma mesma direção.

Cada vez mais, o mundo está dominado por imagens. O apelo visual invade as casas, os restaurantes, as lojas, as escolas, enfim, o mundo. O advento da modernidade trouxe também o domínio da linguagem visual. Os meios digitais e a propaganda impulsionam as pessoas para um mundo cada vez mais voltado ao olhar.

Há um intenso apelo ao visual fora da escola, infelizmente isento de crítica, enquanto a escola, em seu interior, com algumas exceções, oferece o quadro branco ou verde como o único apelo. Caberia sensibilizar e educar o olhar qualitativa e quantitativamente, sem a intensidade excessiva e prejudicial dos tablets e celulares. Um olhar mais aberto à crítica e com possibilidades de interferência.

Fica o desafio. Como a escola poderia aproximar as imagens de uma forma mais direta no ambiente escolar? Onde a criança pudesse olhar, perceber detalhes, descrever, interpretar, ampliar conhecimento, associar a experiências próprias, produzir. Trazer o que há de bom fora da escola para o dentro da escola, quem sabe?

Estabelecer o convívio com a arte deve começar cedo, fazer a criança aproximar-se da arte e do artista é hoje, compromisso da escola, ato que sempre virá em benefício da formação do hábito de leitura. E não só para os pequenos leitores.

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