A cirandinha

Maurício Schames

- Será que ele vem?

Dessa vez Carolina não se fez de surda e pressionou a mão de Jade com um pouco mais de força.

- Fala baixo.

- Mas ele vem?

- Por que não viria?

- Ele tá demorando.

- Te concentra. É a única maneira para ele sentir que o esperamos.

Fecharam os olhos e assim permaneceram, deixando a única claridade no sótão esvair-se aos poucos com a cera.

“O pai dele”, pensou Jade. Nada disse diante do descontentamento que causaria na amiga. Nunca duvidou que Lucas honrasse promessas, característica herdada da mãe. Além de outros dons.

Mesmo que o pai estivesse novamente violento, era apenas uma mera questão de tempo. Logo o menino daria um jeito e reapareceria com a alegria costumeira. Apesar dos hematomas, brincariam a noite inteira, sempre aos sussurros.

- Não duvide, ele acendeu a vela.

Jade abriu os olhos.

- E não abra os olhos até ele chegar.

- Não estou mais duvidando que venha, sempre aparece quando nos chama. Mas estou preocupada.

- Feche os olhos!

- Está bem.

- Não é a primeira vez, já esperamos mais do que isso.

- Sim, mas não paro de pensar no jeito que estava na última vez. Lembro das dores que ele teimava em esconder, aprendeu que homem não chora.

Carolina sentiu a mão esquerda sendo tocada. Jade, sentiu a direita.

- Não abram os olhos.

- Que susto!

- Fantasma leva susto?

Os três riram.

- Sério, fantasma leva susto? Preciso muito saber disso agora...

- Eu não me assustei, mas a Carolina sim. Ela sempre foi medrosa.

- Mentirosa, tu também te assustou. Não ouvimos os teus passos na escada dessa vez. Como tu nos encontrou tão rápido se estávamos distraídas? Pensei que tu só poderia sentir nossa presença através dessa vibração que mandamos quando estamos concentradas.

- Não preciso mais disso, nunca mais. Vou pedir um favor, não abram os olhos.

Apertou a mão das amigas com firmeza.

- Não me escutaram porque estavam esperando os passos de um vivo.

- O que houve...

- Carolina, eu te pedi! Não abra os olhos! Não estou pronto para que vejam ainda como fiquei.

- Desculpe...

- Não chorem, por favor. Agora poderemos sempre brincar, sem medo de fazer qualquer barulho. Vamos abrir um pouco a roda.

Soltou a mão de Jade e em seguida ela gritou ao sentir dedos menores entrelaçando os seus.

- Não abra os olhos, Jade. É a minha irmã que está aqui com a gente, está muito mais assustada do que vocês.

- Sua irmã também...

- Anelise, estas são minhas amigas Jade e Carolina. É com elas que ficaremos daqui pra frente. Nos conhecemos há mais de um ano, quando nos mudamos. Serão tuas amigas também.

- Oi, Anelise. – Carolina tentou disfarçar a voz de choro. – Seu irmão é nosso amigo e sempre ouvimos falar muito a respeito de ti, de como ele te cuidava e te protegia. Podemos ser tuas amigas também? Vamos ensinar uma porção de coisas pra vocês.

- Ela está muito assustada com tudo isso, mas com certeza seremos todos amigos sim. Agora, vamos abrir mais um pouco a roda.

- Por quê?

- Logo minha mãe estará com a gente também. Preciso saber se fantasma leva susto, tenho medo do que a Anelise poderá sentir ao vê-la do jeito que ela está.

- O que houve, Lucas?

- O amor que ele tinha era pouco e se acabou.

 

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