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Duda Falcão organiza coletânea de contos fantásticos pela Editora Metamorfose


Duda Falcão é escritor, professor de escrita criativa e editor. Tem cinco livros publicados: Protetores (2012), Mausoléu (2013), Treze (2015), Comboio de Espectros (2017) e O Estranho Oeste de Kane Blackmoon (2019).

Também é um dos idealizadores e organizadores da Odisseia de Literatura Fantástica. Leciona no Curso Metamorfose de Escrita Criativa e fui editor da Argonautas Editora. Atuou na Feira do Livro de Porto Alegre, em diversas edições, como curador do evento Tu, Frankenstein. Em 2018, ganhou o 1º Prêmio ABERST de Literatura na categoria conto de Suspense/Policial.

1. O que um bom conto fantástico precisa ter?

Assim como toda boa narrativa o conto fantástico para começar precisa de uma personagem consistente.  Para ser consistente a motivação da personagem tem de ser autêntica capaz de fazer com que suas ações se desdobrem em novos acontecimentos ou resoluções. Nos contos fantásticos do século XIX as personagens tinham como motivação descobrir se um dado acontecimento inexplicável que os afligia era fruto de algo sobrenatural oude algo real capaz de ser explicado pelas leis da natureza e da razão.

Diante dessas duas possibilidades a personagem ficava em dúvida do que havia presenciado. Um fantasma era mesmo um fantasma ou apenas uma ilusão causada pelo vento que balançava as cortinas rasgadas de uma torre desabitada?A dúvida em relação à irrupção do sobrenatural era mantida até o final do conto fantástico, como dizia Todorov, assim suscitavaincerteza não só na personagem, mas também no leitor que acompanhava a narrativa.A personagem em busca de uma resposta conduz o leitor como um pêndulo. De um lado da oscilação observa-se a explicação racional e do outro a aceitação do sobrenatural. Ao final da narrativa o pêndulo repousa em uma linha horizontal sem determinar qualquer resposta que não seja a dúvida.

Com o passar do tempo o fantástico puro do século XIX, assim denominado por Todorov, se tornou parte de uma literatura mais ampla conhecida como literatura fantástica, em que são explorados por autores gêneros como o horror, a fantasia e a ficção científica. Cada uma dessas vertentes tem suas características próprias. Como um conto é uma narrativa curta que não tem muito espaço para o desenvolvimento da personagem central é necessárioque o conflito chegue a um clímax inesperado capaz de surpreender o leitor. O inesperado aqui não significa fora de lógica, mas sim algo construído pelo autor de maneira que o leitor não tenha certeza do acontecimento final. A personagem e o clímax surpreendente são importantes para a construção de um bom conto fantástico.

2. Quais as principais características dos contos fantásticos?

Em termos de fantástico puro a principal característica, como dizia Todorov, é a incerteza e a dúvida do personagem em relação ao surgimento do sobrenatural. O fantástico puro de acordo com o mesmo autor possui dois gêneros vizinhos: o fantástico maravilhoso e o fantástico estranho. No fantástico maravilhoso o sobrenatural é aceito e no fantástico estranho o que parecia algo sobrenatural é considerado algo raro, extraordinário, mas que pode ser explicado pelas leis da natureza ou da razão. Em termos de literatura fantástica, que eu considero um desdobramento do fantástico do século XIX, o horror, a ficção científica e a fantasia guardam suas particularidades.

Muito já foi dito por diversos acadêmicos e autores sobre cada uma dessas vertentes. De acordo com H. P. Lovecraftuma das características principais das narrativas de horror é a ambientação. Por sua vez, a ficção científica, conforme o criador do termo, Hugo Gernsback, na década de 20, designava uma narrativa com características proféticas e didáticas que utilizavam como base os atuais conhecimentos científicos. Já na fantasia, um subgênero conhecido como espada e feitiçaria, foi definido por Raul Fiker como “narrativas de aventuras que se passam em eras remotas ou mundos perdidos onde os heróis se servem de espadas e a magia ocupa um lugar importante”. Esses são apenas alguns exemplos que caracterizam a multiplicidade dos gêneros fantásticos.

3. Na sua opinião o público leitor de literatura fantástica está em crescimento no país?

Infelizmente creio que o público leitor está diminuindo em todas as áreas e não só na Literatura Fantástica. Enquanto não se investir em uma educação plural e para todos não teremos um grande público leitor seja de leitura ficcional ou acadêmica. É necessário criar mais eventos literários, teatrais e de cinema. Nosso país está carente de uma indústria cultural. Precisamos pressionar por incentivo do governo federal, dos estados e dos munícipios. Não existe transformação econômica e social sem indústria criativa e sem sujeitos críticos.

4. Como foi a experiência de organizar este livro – Planeta Fantástico – com 33 autores?

Foi gratificante. Sou escritor, mas também atuo como editor quando possível. Durante alguns anos tive uma editora chamada Argonautas especializada em publicações na área da literatura fantástica. Recentemente eu e meu sócio fechamos a editora para que cada um se dedicasse aos seus trabalhos de escrita. Porém, quando eu menos esperava fui chamado pela Metamorfose Editora para elaborar uma antologia. Sem pestanejar abracei o projeto.

Além de escrever minhas próprias histórias eu adoro editar. Conhecer o trabalho de outros escritores e poder contribuir com sugestões, ideias e com técnica é recompensador. Se produzir uma antologia não é como produzir um disco – ainda sou do tempo do vinil –, como reger uma orquestra, como dirigir uma peça de teatro, tem uma função similar que é a da organização. Este trabalho contou com diversos passos. Em primeiro lugar lançamos um regulamento no meu site e no da editora Metamorfose para que autores enviassem textos de gêneros fantásticos. Eu realizei a leitura de todos os contos enviados e selecionei 33 textos. A diversidade dos gêneros me agradou muito, pois consegui pinçar narrativas de ficção científica, de fantasia e horror para compor o livro. Depois disso reenviei os textos para os autores com comentários, sugestões e correções. Os escritores mostraram receptividade ao meu trabalho de organização. Assim que conclui minha parte enviei os textos para o editor da Metamorfose, Marcelo Spalding, que fez uma revisão final para encaminhar o livro para a impressão.

Outro elemento da organização que sempre me agrada é o de pensar na capa do livro. O design gráfico do títuloeu solicitei para Roberta Scheffer que criativamente inseriu um foguete em pleno voo, provido de um olho esbugalhado, em simbiose com as palavras Planeta Fantástico. Passei o briefing da ilustração para o artista Brasiliano. Ele ilustrou uma cena de uma personagem minha chamada Hylana confrontando-se com um velho feiticeiro montado em uma criatura bizarra, os dois estão em uma floresta exótica – quem conferir o livro poderá ler o conto: Hylana e o orbe do feiticeiro.

5. Qual a importância para o autor iniciante de participar de uma coletânea?

Gosto de mencionar minha própria experiência. Em 2009 comecei a publicar regularmente em diversas coletâneas que selecionavam contos de literatura fantástica. A cada vez que eu via meu texto publicado sentia mais confiança em meu trabalho. Tinha mais energia para continuar nessa estrada. Quando surgiram as primeiras resenhas dos meus contos era como se o público leitor me legitimasse. As coletâneas me ajudaram a constituir uma rede social de novos amigos que também eram escritores com os mesmos desejos e as mesmas dúvidas de como produzir e vender literatura no Brasil. O diálogo com leitores e colegas de profissão foi fundamental para construir minha identidade com a literatura. Sem dúvida, as coletâneas de contos são importantes para fortalecer a caminhada do escritor, não somente o principiante, em sua jornada de trabalho.


13/08/2019